O povo Sámi: os nórdicos mais antigos ainda existem

Por volta de 10 mil anos a região de Finmark, mais conhecida por ser uma área de tundra que preserva muito da história das civilizações antigas da Noruega, é uma das regiões onde grande parte da arte rupestre foi gravada.

Através desse tipo de arte foi possível especular o estilo de vida que os clãs da idade antiga mantinham, sua relacão com a natureza, a importância da caça e pesca. Algumas imagens retratam barcos pesqueiros e ainda outras revelam interações com renas em aparentes emboscadas, caca aos ursos durante o período da primavera (quando a fêmea já pariu o seu filhote), e a presença dos alces como criaturas que provavelmente possuíam importância na fé destes povos antigos, além de xamãs que tocam tambores e dançam.

O tambor sámi é feito de couro de rena e tocado com um martelo feito de osso

A região de Alta é famosa pelos “rock carvings”, e tudo isso pode ser encontrado no museu que revela a herança que o povo norueguês herdou de seus ancestrais. Mas a presenca de um xamã não somente revela que o culto à divindades e sacrifícios eram feitos, como também foram confirmados por achados arqueológicos.

Finnmark é muito conhecida por ser uma região onde habitam muitas famílias do povo sámi, conhecidos também por serem os índios escandinavos, também citados como lapões. Há relatos de que o povo sámi habita a Noruega há tanto tempo quanto os ancestrais mais velhos da Noruega, trazendo debates fervorosos sobre: quem estava na Noruega primeiro? O povo sámi ou o norueguês? Parece uma pergunta onde a resposta é bastante clara quando se estuda os achados arqueológicos, no entanto muitos noruegueses não gostam de ser associados ao povo sámi.

Quando um sámi tem orgulho de sua origem, é possível vê-los caminhando pelas ruas com suas vestes tradicionais, e muitos praticam os costumes herdados dos antigos sámi, mesmo que isso inclua alguma interferência do cristianismo.

Uma das formas de expressão sámi mais conhecidas é realizando o joik (diz-se yoik), que é uma forma de música tradicional, uma maneira profunda de expressão e que está relacionado a uma pessoa, a um lugar e que tenha uma significância em seu meio social. É também possível escutar joikis destinados a filhos, pais e avós, amigos, o que é considerado uma forma de homenagear estas pessoas. O joiker (aquele que canta o joik) expressa as suas impressão e percepção sobre as caracter´ísticas de outra pessoa, podendo fazer uso de poucas ou nenhuma palavra. Mas também existem joiks que são usados para expressar sentimentos negativos como por exemplo o ciúme ou inveja de um jovem por seu rival. Mas cantar o seu próprio joik pode ser considerado como uma forma de se gabar.

Alguns símbolos pintados em tambores sámis utilizados em seus rituais

O povo sámi também me inspirou a escrever o livro Symbiosa e a Ameaça no Ártico, que conta uma história fictícia sobre como um sámi médico foi capaz de usar o joik e auroras boreais para efetuar pontes de cura entre pessoas e animais. O livro também ganhará versão traduzida para inglês este ano. Para saber mais sobre este livro, clique aqui para conferir: https://eloeditora.com.br/produto/symbiosa-e-a-ameaca-no-artico/

Hoje, desde o jardim de infância as crianças sámi aprendem joiks, em escolas, encontros de fim de semana e principalmente em festivais, onde a herança cantada pode continuar a ser passada adiante, o que no passado já não era mais possível devido as proibições geradas pelo cristianismo, vendo como uma forma de pecado, o que é bem explicado pelo fato de que a cristianizacão do povo sámi ocorreu no início do século 17, época em que ocorreu a “Norwegianisation” entre 1851 a 1959, termo esse empregado para chamar os que passaram a abandonar a vida sámi para viver uma vida norueguesa por influência religiosa, onde a cultura nativa escandinava era denegrida, vista como pecadora, pagã e primal.

O estilo de vida sámi antiga é seguido por algumas famílias, que também ustilizam o espaco como um modo de se relacionar com tustistas

O joik podia e pode também ser usado em rituais, e trabalhos científicos descrevem que esse método de canto faz as pesoas se sentirem conectadas com algo, leveza, formas de aliviar a solidão e o luto, além de acessarem o seu interior mais profundo. Curiosamente, quando citam sobre cantar joikes sobre pessoas falecidas, eles se referem a “joik a person”, como se cantassem a pessoa, o que poderia ser uma forma de fazê-la presente.

E como eles criam estes joiks? Alguns contam que simplesmente andam pelas montanhas e cantam, e que sabem que seus ancestrais fizeram o mesmo por aquela montanha, então, cantar o joik os fazem se sentir conectados com a montanha e seus antepassados, algo que faz parte deles e os mantém conectados. Recentes pesquisas têm mostrado inclusive que o joik é uma forma de elevar o ânimo das pessoas, algo que as mantém em conversa com um “amigo” com quem possam dividir suas alegrias, tristezas, uma forma de melhor meditar sobre suas emoções.

Fogueira ao centro: um modo de conservar o calor do lavvoen (como chamam a típica barraca em forma cônica)

Creio que esta pode ser uma das maiores lições que o povo sámi tem a nos ensinar: que cantar joiks pode nos conectar a tudo o que quisermos, criar vibrações sobre determinadas pessoas, lugares, animais e nunca estaremos sozinhos, além de ser uma forma de nos permitir meditar sobre nossos sentimentos e nos entendermos melhor.

Referências:

Graff O. “Om kjæresten min vil jeg joike”: undersøkelser over en utdødd sjøsamisk joiketradisjon” Investigations of an extinct sea-sami yoik tradition. Karasjok: Davvi Girji; 2004.

Hämäläinen S, Musial F, Graff O, Olsen TA, Salomonsen A. Yoik experiences and possible positive health outcomes: an explorative pilot study. International Journal of Circumpolar Health. 2017;76, 1271590.

Hilder TR. Sámi musical performance and the politics of indigeneity in Northern Europe. Anham (MD): Rowman & Littlefield; 2015.

Hætta OM. Samene – Nordkalottens urfolk. Kristiansand: Høyskoleforlaget; 2002.

Jernsletten N. Om joik og kommunikasjon. By og Bygd Norsk Folkemuseums årbok 1977. Oslo: Norwegian National Museum; 1978. p. 109-122.

Jones-Bamman RW. “As long as we continue to joik, we will remember who we are.” Negotiating identity and the performance of culture: the Saami joik (doctoral thesis). Washington: University of Washington; 1993.

Minde H. Assimilation of the Sami – implementation and consequences 1. Acta Borealia. 2003;20:2,121-146.

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